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terça-feira, 13 de setembro de 2016

Parte III

O primeiro dia de Joana

O coração batia a mil à hora. João estava num estado tal que pensou que ia desmaiar ali, sozinho naquele corredor do hospital, enquanto desesperava por notícias do outro lado da porta. Tinha sonhado tanto com aquele momento, mas nada do que sonhara estava a acontecer.
O silêncio que vinha da sala de partos era difícil de suportar.
Só queria ouvir o choro da Joana, imaginava-a a ser colocada junto aos seios da mãe e a depois a acalmar-se naquele reconhecimento mútuo, na partilha dos cheiros, na doce melodia da voz materna. Mas não havia choro, não havia nada, só a angústia solitária de um pai à espera de notícias.
Quando a porta finalmente se abriu, reconheceu de imediato o médico com quem já tantas vezes se havia cruzado, mas a elegância, a calma, as mãos incrivelmente limpas e delicadas que sempre apresentara não passava de uma miragem. O médico estava visivelmente cansado, trazia um lenço ensopado na mão direita com o qual tentava limpar algumas gotas de suor que teimosamente nasciam no meio da sua testa. Não disse uma palavra, suspirou apenas, mas João percebeu que era um suspiro de alívio, de quem tinha vencido uma batalha. Num ápice, precipitou-se sobre a porta e espreitou e viu Alice prostrada na marquesa, também ela perdera aquele brilho que só as mulheres grávidas têm.
João procurou na cara de Alice algo que o pudesse animar.
Onde estaria Joana? Porque não ouvira qualquer choro?

Joana repousava tranquilamente na incubadora. Nascera demasiado cedo para conseguir suportar sozinha a vida dura e desprotegida fora do ventre.

Ambas estavam relativamente bem. Alice recuperava das dores e ansiava por ver Joana. Nem sabia muito bem o que tinha acontecido. No meio de toda aquela confusão, dores lancinantes, médicos e enfermeiros à sua volta, nem deu bem conta do que tinha acontecido. As dores anestesiaram-lhe os pensamentos e foi impossível ter qualquer laivo de lucidez nas horas anteriores ao nascimento de Joana.

A menina-um-quilo-de-gente estava deitada na incubadora, precisava desse ambiente controlado. Com tão pouco tempo de gestação era importante manter os níveis de temperatura e humidade semelhantes ao que tinha na barriga da mãe. No fundo, o seu cérebro, os músculos, os pulmões ainda não tinham chegado à maturação necessária.

Quando Alice finalmente pôde levantar-se, apressou-se para ver a sua filha. A primeira memória que tem de Joana foi a de ver uma mão minúscula a segurar o dedo mindinho do pai que, emocionado, tinha encostado a sua cabeça ao cubículo para estar o mais próximo possível da sua menina. Alice estava tão cansada que nem tinha força para chorar, embora lhe apetecesse tanto, mas tanto. Aproximou-se de João, segurou-lhe a mão e ficou a olhar para aquele milagre da vida.

João e Alice sabiam que os meses seguintes seriam complicados e que Joana poderia vir a ter graves problemas de saúde, mas naquele momento nada disso interessava, era a sua menina que estava ali, à sua frente, era a corajosa Joana que quisera nascer, assim, muito antes do tempo previsto.
Apesar do sofrimento a que foi sujeita, os tubos que a alimentava, o mundo hostil que encontrara, Joana esboçava um sorriso traquina. Esse sorriso iria acompanhá-la sempre, todos os dias da sua vida, mesmo naqueles em que ela teria todos os motivos para não o fazer.
A sua força de viver e o seu sorriso contagiante haveriam de ser essenciais para suportar tudo aquilo que a pequena Joana teve que passar.
A prematuridade trouxera problemas com os quais teve que viver todos os segundos da sua vida.

Da sua vida tão difícil.

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