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quinta-feira, 28 de setembro de 2017

Procura-se: Amigo para brincar.

Custa ouvir um aluno teu dizer que está um pouco triste porque o intervalo acabou e não teve ninguém para brincar. 
Se, por um lado, entendo que não devemos 'obrigar' ninguém a brincar com outro menino, por outro, quem é cego ou tem baixa visão está em grande desvantagem no recreio, porque não pode 'procurar' amigos da mesma forma. As próprias brincadeiras desenrolam-se, muitas vezes, a uma velocidade imprópria para alguém com problemas visuais. 
Como resolver isso? 
Arranja-se um buddy para cada intervalo?
Entregamos o menino a um colega para que este 'olhe' por ele?
Arranjamos uma alternativa à brincadeira livre do intervalo, num género de 'mini ATL'?
Penso que o melhor é falar com o aluno e explicar-lhe que ele pode procurar os amigos, mas que nem todos podem ser seus amigos. A vida encarregar-se-à de selecioná-los por ele. Também é melhor falar com os outros alunos, tentar sensibilizá-los que uma pessoa cega ou com baixa visão tem as mesmas (às vezes mais) capacidades que eles, mas que não podem fazer as coisas tão depressa, nem podem procurá-los. Através da sensibilização talvez se consiga obter alguns resultados. 
Num mundo virado para a 'pressa' e para o 'visual', conseguir entender esta situação é muito difícil.
FMM

quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Caminhada GADV - perceção da realidade - sonhos

Organizada pela Câmara Municipal de Torres Vedras e pelo seu Gabinete de Apoio  à Deficiência Visual (GADV)  fizemos hoje uma caminhada na Várzea, com visita ao Centro de Educação Ambiental. Estas atividades são muito importantes. Ver o espírito de entreajuda entre eles nas questões da mobilidade é gratificante. Os que têm visão, embora muito reduzida, foram acompanhando os outros, mostrando-se sempre disponíveis. Claro que há sempre os aventureiros que já não precisam de guia e lá seguiam o seu caminho sozinhos.


Nestas atividades há sempre tempo para conversas e hoje houve uma que foi especialmente de encontro a algo que eu já vinha pensando há uns dias e pretendia escrever aqui sobre esse assunto.
Não querendo entrar por questões filosóficas, que não domino, dei por mim a pensar na forma como nós vemos a realidade. Cada um de nós tem uma perceção diferente daquilo que vê. Se pedirmos a 10 pessoas que descrevam um banco de jardim, por exemplo, apesar de todos revelarem as caraterísticas 'normais' de um banco (ter pés, encosto, material de que é feito, etc...), iremos ter 10 respostas diferentes, a forma como interpretamos o que vemos difere de pessoa para pessoa. Comecei a pensar nisso na perspetiva de termos que descrever uma imagem ou um objeto a um cego. Quando o fazemos estamos a dar a nossa 'versão' do que estamos a descrever e por muito que queiramos aproximarmos-nos da 'realidade' (o que quer que ela seja) não estamos mais que a dar uma visão deturpada do que pretendemos descrever. E que 'imagem' cria o cego com aquilo que tentamos descrever? 

O sr. R falava sobre isso. Como nunca viu em toda a sua vida, disse-me que foi criando imagens das coisas e que, quando dorme, sonha com isso. Ele quer saber como são as coisas, quer perceber o que elas têm para poder utilizá-las na sua vida. Deu exemplo de um avião. Sabe perfeitamente quais as partes de um avião, sabe onde está o piloto, as asas, os bancos onde se senta. Ele criou a imagem do avião na sua cabeça. 
Voltando aos sonhos. Quem nunca viu tem imagens no sonho? Fiz a pergunta, mas não consegui obter uma resposta clara sobre isso porque entretanto houve alguém que mudou de assunto e não consegui aprofundar. O sr. R limitou-se a dizer que nos seus sonhos não existem barreiras, que ele move-se pelos espaços sem se preocupar com a sua segurança. É livre, portanto. Essa ideia de liberdade agrada-me. Faz-me pensar no bem que podemos fazer pelas pessoas com mobilidade reduzida, se pensarmos mais nelas quando construímos uma estrada, um passeio, uma passadeira. Podemos dar-lhes a liberdade com que sonham. Podemos tornar o seu sonho realidade.
FMM









segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Rentrée Num piscar de olhos

Após algum tempo de paragem, está na hora de reativar este blog.
Num piscar de olhos pretende promover uma reflexão sobre a deficiência visual. Conta histórias que são de todos, mas não são de ninguém.
Quem passa por problemas visuais graves, ou tem familiares que passam por eles, sabe o difícil que é lidar com isso.
Hoje conheci um senhor que está praticamente cego. O último ano de vida foi passado a lutar, entre operações, para não perder o pouco de visão que tem. O luto instalou-se na sua vida. Esteve praticamente 6 meses sem sair de casa (só o essencial) e as interações sociais resvalaram para o nível 0. Apesar do grande apoio do núcleo familiar, este senhor foi completamente ostracizado por muitos que se diziam seus amigos. O que faz estas pessoas afastarem-se? São as pessoas que se afastam por, muitas vezes, nem compreenderem a diferença, ou nem sequer a aceitam? Ou será o próprio indivíduo que se fecha sobre si mesmo? Será que, ao perceber que já não desempenha o mesmo papel social, se isola, erguendo barreiras à sua volta, afastando tudo e todos?
Felizmente, estas situações são temporárias, dependem de pessoa para pessoa, mas tem sido tema comum nas conversas que vou tendo com alguns utentes do gabinete.
É pena que tenham que passar por isso, antes de procurar/ aceitar ajuda.
O senhor que conheci hoje já (aparentemente) 'ultrapassou' isso. Está com uma enorme vontade de aprender. Está a redescobrir o seu papel na sociedade. Não se conforma. Quer lutar. Quer melhorar a cada dia. E nós estamos cá, para ajudar e orientar. Mas, no essencial, a força de querer mudar, de querer aprender, está dentro da pessoa. Essa força é o combustível que os motiva, que nos motiva a procurar dar respostas a pessoas que, de um momento para o outro, ficaram sem visão.
A visão poderão nunca recuperar, mas a dignidade, essa, está ali ao virar da esquina, numa deslocação autónoma, num apanhar do autocarro, no ver as horas, no comunicar ao telemóvel, numa ida ao café, no atravessar de uma estrada numa passadeira sinalizada...
Cabe a nós, enquanto sociedade, de estar alerta e zelar por aqueles que de alguma forma ficaram mais vulneráveis devido a uma qualquer doença.
De duas horas de conversa deixo aqui a parte que mais me comove e alegra:

"Quando conheci o gabinete (GADV) e o Leonel, foi como se fosse um rapazito a quem tinham oferecido o primeiro telemóvel. Estou eufórico."

Eu lembro-me bem da euforia que tive quando me ofereceram o meu primeiro telemóvel e já não era nenhum rapazito.
É bom ver as pessoas felizes.

Um bem haja à Câmara Municipal de Torres Vedras pelo apoio prestado às pessoas com DV.
FMM