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terça-feira, 22 de novembro de 2016

Ceguinhos NÃO... Senhores Cegos se faz favor!


Fico furioso quando utilizam a palavra 'ceguinhos' para falar sobre as pessoas cegas. A palavra 'ceguinho' traz um estigma tão grande e uma conotação tão negativa que me enoja. O 'ceguinho' é o coitadinho, incapaz, que mete dó, que não tem expressão nem importância na sociedade, que é uma minoria, que ninguém conhece, que é infeliz, que não tem autonomia.
Logicamente, ouvi isso hoje. Não interrompi a pessoa, limitei-me a esperar para ver até onde é que a pessoa iria. Feliz ou infelizmente alguém avisou: "Olha que ele trabalha com cegos." 
O contexto e o local onde me encontrava e a minha educação impediram-me de responder como gostaria por isso, respondi como pude. 
A propósito, deixo aqui esta reflexão. Os apoios existentes (muito poucos por sinal; Torres Vedras é caso único do género com o Gabinete de Apoio à Deficiência Visual - GADV) e as infraestruturas que se constroem para as pessoas cegas não são coisas menores que só dizem respeito a essas pessoas e às suas famílias.
É dever de todos os cidadãos e da sociedade minorar as barreiras arquitetónicas existentes, dando a todos (com deficiência ou não) oportunidade de se deslocarem com a autonomia e a dignidade que merecem. 
Cada vez mais sei que há ainda um longo caminho a percorrer. 
Uma cidade acessível e respeitadora de todos é uma sociedade evoluída, saudável e justa. 
Primeiro é preciso mudar as mentalidades, porque só mentalidades limpas de preconceito conseguem tornar o mundo um lugar melhor para todos.
Eu não conheço nenhum 'ceguinho'. E vocês?

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Toque para intervalo = toque de pânico para as crianças com deficiência visual.

TRiimmm...
A campainha que sinaliza o final de uma aula é, normalmente, recebida com euforia por quase todos os alunos de uma escola. Isto não quer dizer que eles estejam fartos das aulas (às vezes estão!), mas sim que estão com muita vontade de ir brincar, de saltar e correr pelos corredores ou no campo de jogos. Escrevi quase todos os alunos porque, para alguns, esse toque significa outra coisa. Nos 1º e 2º ciclos, em idades compreendidas entre os 6 e os 12 anos, a energia acumulada de 45 ou 90 minutos sentados numa sala de aula fá-los 'explodir' nos intervalos. E então, como poderá uma criança com mobilidade reduzida devido à baixa visão ou cegueira 'explodir' daquela forma e libertar essa energia? 
O que mais me preocupa é como poderá essa criança acompanhar os seus colegas. Se todos desatam a correr e 'desaparecem', uma criança com problemas visuais terá com toda a certeza a sensação de que foi abandonada. Deve ser um pânico.
Penso que é ponto assente que não devemos 'obrigar' ninguém a esperar por um colega com deficiência visual. É muito comum utilizar a técnica peer mas em contexto de aula. 
Ao professor de Educação Especial cabe sensibilizar os alunos da turma e da escola para esta temática, abrindo-lhes os horizontes sobre esta matéria, provocando uma reflexão sobre como será viver com pouca ou nenhuma visão. Se a fizerem talvez mudem a sua atitude e pensem que o que fazem a 100 à hora sozinhos, poderão fazer a 50 na companhia do seu colega. É preciso abrandar.
Ao aluno com deficiência visual cabe tentar criar amizades, pessoas em quem possa confiar, que respeitem a sua menor velocidade e que compreendam. 
Num mundo virado para o 'parecer' mais do que o 'ser' deve ser difícil fazermos a diferença pelo 'ser'.
Não há como não ficar de coração partido quando um aluno com problemas visuais diz que um colega tinha ficado de brincar com ele no intervalo seguinte e, afinal, tinha-se esquecido dele. 
É preciso ser muito forte para aguentar isso, e muito mais.
Tenho o maior respeito pelas pessoas com deficiência visual. Muitas vezes parece que têm o mundo inteiro contra elas. Hoje em dia é muito fácil 'desaparecer' da frente das pessoas, mesmo quando elas vêem bem, com toda a azáfama do dia a dia. Agora imaginem que não vêem... Pois. 
Como fazer ligações a essa velocidade?

Nota: a escola onde lecciono é escola de referência para a educação de crianças e jovens com deficiência visual e tem uma estrutura de apoio bem montada que não permite que aluno (com DV) algum fique sem apoio, tanto na sala de aula, como nos intervalos e horas de refeições.
FMM



segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Carta ao Zé

Caro Zé, esta carta é para ti. Sei que nada do que vou escrever aqui poderá aliviar a dor que estás a sentir neste momento. Além da dor física pela qual estás a passar devido ao herpes zoster que teimosamente decidiu atacar os teus olhos, há também a dor psicológica, o medo, o descontrolo, a sensação de que se está a perder tudo aquilo que anteriormente tínhamos como adquirido. Não nos conhecemos mas uma amiga em comum trouxe-te aqui, ao meu blog. Decidi escrever-te esta carta publicamente porque, ao contrário do que estás a pensar neste momento, há muitos Zés no mundo, no nosso país, muitas vezes até mesmo bem perto de nós. Assim, esta carta não é só para ti, mas para todos os que neste momento possam estar a passar por uma situação semelhante. 
Sei que de uma forma abrupta e repentina perdeste grande parte da visão que tinhas. A doença avançou sem avisar e apanhou-te desprevenido. Ninguém está preparado para uma coisa destas. Estás a passar por um processo que é comum a muitas pessoas que têm o mesmo problema. Eu conheço algumas. Sei que neste momento a esperança num tratamento eficaz já não é muita e que aquela fé e a esperança começam a esmorecer. Acredita que essa esperança e essa fé nunca acabam. Não deve estar muito longe dos 100% as pessoas de baixa visão ou cegas que, no fundo, acreditam que amanhã irá aparecer um tratamento inovador que as fará ver melhor, ou tornar a ver. Têm todas as razões para isso. Com o avanço da tecnologia e toda a investigação que tem sido feita nesse sentido (inclusive em Portugal, através da Fundação Champalimaud, por exemplo) é expectável que num futuro próximo possa haver cura ou tratamento para algumas das doenças oculares mais comuns. 
Mas antes desses tempos de esperança e de reabilitação, há um período muito complicado, o qual deves estar a passar neste momento. No meu trabalho com os utentes do GADV (Gabinete de Apoio à Deficiência Visual) um dos temas recorrentes das nossas conversas e que têm uma transversalidade impossível de ignorar, é o facto de todos eles terem passado por um período de 'luto'. Esse período caracteriza-se primeiro por uma negação da real situação médica. A pessoa não aceita que perdeu, ou está a perder a visão. Até um determinado ponto a pessoa acredita que aquilo não está a acontecer com ela e que logo logo consegue recuperar e tudo não passou de um susto. Quando as coisas demoram a melhorar e o prognóstico não é o mais animador, a pessoa tende a auto-culpabilizar-se ou a culpabilizar os que o rodeiam pela sua situação. Esta situação é muito desgastante, há graves conflitos interiores e também sociais. A pessoa muda a sua atitude perante a sociedade e tende a isolar-se. De qualquer forma a perda de visão estimula esse isolamento. É a ideia de que se já não consigo sair de casa sozinho, então não saio mesmo, entre outras coisas. Todo o papel social da pessoa sofre uma alteração. Desculpa Zé, se já estou a ir longe demais. Noutros posts falei aqui sobre o estigma. Esse estigma cai agora como um peso quase insustentável. A pessoa tende a sentir-se inútil e tem problemas em lidar com as outras pessoas, tanto as estranhas como aquelas que lhe são mais próximas. 
Não te conheço Zé, mas vou arriscar que estás naquela fase em que consideras esta carta uma perda de tempo. Pensas que isto não é para ti. Seja como for, isso não me detém. 
O luto é o deserto. É atravessá-lo, assim mesmo, sem mais nada. Por muitos amigos que se tenham, por muito que a família esteja presente, é sempre um percurso solitário, ninguém poderá percorrê-lo por ti. Não é justo falar-te do deserto e não referir o que está do lado de lá. Depois de atravessá-lo há todo um mundo por explorar. Não queria estar aqui com lugares comuns e frases de incentivo dos livros cor de rosa. A frase de 'O Principezinho' que diz que o 'essencial é invisível aos olhos' é muito bonita, mas é para quem vê. Não me posso pôr na tua pele porque, felizmente, vejo muito bem. Também não posso dizer que sei pelo que estás a pensar; não, não sei. O que te posso dizer é aquilo que tenho estudado e observado nas pessoas que acompanho no gabinete. Felizmente tenho lá pessoas com muita força, que já passaram (ou estão a passar; algumas nem nunca vão deixar de passar) pelo 'luto' e que tentam ultrapassar as dificuldades e viver da melhor forma possível com o problema visual que cada um tem. Não é fácil, há muito a fazer. Primeiro tem que haver uma transformação interna. A aceitação da condição é um passo importante (aceitar não é deixar de acreditar no tratamento ou na cura), depois é encontrar forças para fazer a reabilitação. Como o nome indica a reabilitação vai fazer com que a pessoa readquira a possibilidade de fazer o que fazia antes (não tudo, naturalmente) mesmo tendo problemas visuais. Nesta fase a pessoa deve dar-se a essa possibilidade e dar a oportunidade aos outros de ajudarem. Há instituições que sabem o que fazem e fazem um trabalho espetacular, como o Centro de Reabilitação Nossa Senhora dos Anjos, em Lisboa (na reabilitação), a APEDV (nas questões da empregabilidade) e a ACAPO (numa perspetiva mais abrangente).
O que está do outro lado do deserto vai sempre depender da pessoa que o percorrer. É a força interior da pessoa que vai definir isso.
A carta já vai longa e quero só deixar aqui um exemplo de uma pessoa que cegou em idade adulta, devido a diabetes. Nunca mais esqueci as palavras dela. Disse que, quando cegou, pensou que tinha morrido. "Eu morri ali. Depois inscrevi-me no centro (Nossa Sra. dos Anjos) e reaprendi a viver". Esta senhora é um exemplo daquilo que referi. Ela atravessou o seu deserto e estava ali, num grupo de 40 pessoas a dar o seu testemunho e o seu incentivo. Ainda por cima vinha de uma aldeia bem do interior de Portugal. Nunca tinha visto mar e estava numa colónia de férias na qual eu era monitor. No dia em que fomos fazer jogos na praia, pediu-me para ir ao mar. Queria sentir as ondas a bater nas pernas. O mar não estava muito convidativo, mas ela foi tão insistente, puxou-me tanto para entrarmos cada vez mais, que, a certa altura, veio uma onda mais forte e enrolou-nos completamente. Havias de ver a felicidade dela ali, comigo, toda molhada, numa mistura de água salgada e areia. Talvez esteja aí aquilo que estou a tentar transmitir mas sem o escrever, porque só tu é que poderás encontrar e o que quer que escreva vai parecer estúpido, simplesmente porque não sou eu, és tu. Só tu sabes. 
Talvez o segredo seja esse, conseguir ser feliz com uma onda e montes de areia na cara. Quem sabe?
Esta carta já vai mesmo muito longa. Talvez a maior parte das pessoas que a abriu não vai lê-la até ao fim, mas tu vais, mesmo pensando que ela não é para ti. Se calhar não é mesmo. Só tu saberás.
Um grande abraço Zé, estou por aqui e muita gente está por aí. 
Tu é que sabes.
FMM

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Livros para escutar (e ver)...

E se de repente tivéssemos os próprios autores dos livros a lerem-nos as suas histórias?

Pois, temos.

Numa excelente iniciativa é possível aceder a um conjunto de histórias no blog do Público "letra pequena".

Uma ótima ideia para todas as crianças, quer normo visuais, quer cegas.

Eu já experimentei com os meus alunos e eles gostaram bastante.

Aqui está o blog.

Congresso Internacional Escola Inclusiva - Educar e Formar para a Vida Independente

Porque este é um tema que interessa sobremaneira a todos os que, de alguma forma, lidam com a deficiência, deixo aqui a divulgação deste congresso.
No que diz respeito aos utentes do GADV, na minha opinião, a autonomia é mais do que um fim, uma meta, a autonomia é o caminho em si, que abre horizontes e torna tudo possível. Aos interessados aqui fica a informação:


Congresso Internacional «Escola Inclusiva: Educar e Formar para a Vida Independente», que decorrerá na Casa das Histórias Paula Rego, Cascais, dia 3 de Dezembro.

Inscrições:
1 a 20 de novembro – 20,00€
21 de novembro a 2 de dezembro – 30,00€

A conferência terá tradução bilingue (PT/EN) e língua gestual.

Programa:
08:30 – Registo dos participantes

09:30 – Mesa de abertura
• Secretário de Estado da Educação, João Marques da Costa
• Presidente da Câmara Municipal de Cascais, Carlos Carreiras
• Presidente da Fundação Calouste Gulbenkian, Artur Santos Silva (a confirmar)
• Diretor do Centro de Formação de Escolas de Cascais, José Marcelino
• Vice-Presidente da Direção da CERCICA, Rosa Maria Lucas Neto

10:15 – Conferência “Advancing Inclusive Education: Transformative Steps on the Path”
Gordon L. Porter, Inclusive Education Canada, Education Training Group, University of New Brunswick

11:00 – Coffee break

11:30 – Conferência “Educação Inclusiva: resistir pela escola que queremos”
David Rodrigues, Associação de Professores de Educação Especial, Centro de Investigação do IE/UL, Conselho Nacional de Educação
Moderador: Pedro Cunha, Direção-Geral da Educação

12:15 – Debate

12:45 – Almoço livre

14:00 – Conferência “Formação de professores para a inclusão”
Teresa Leite, Escola Superior de Educação de Lisboa, Conselho Nacional de Educação

15:00 – Painel “Escola Inclusiva de 2ª Geração”
Luísa Ucha, Secretaria de Estado da Educação - Grupo de Trabalho Escola Inclusiva
Manuela Tender, Assembleia da República - Grupo de Trabalho Educação Especial (a confirmar)
Moderadora: Filomena Pereira, Direção-Geral da Educação

16:00 – Debate

16:30 – Mesa de encerramento
• Vereador da Câmara Municipal de Cascais, Frederico Pinho de Almeida
• Diretor do Centro de Formação de Escolas de Cascais, José Marcelino
• Vice-Presidente da Direção da CERCICA, Rosa Maria Lucas Neto


Informação retirada da: DGE

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Jantar do GADV nas Festas da Cidade 2016 - Torres Vedras

Entre utentes do GADV e acompanhantes foram cerca de 30 pessoas que se deslocaram no dia 2 de novembro ao Pavilhão Multiusos, às tasquinhas, para o jantar, que serviu para reunir parte do grupo e festejar mais um aniversário do Gabinete de Apoio à Deficiência Visual. Há três anos que temos um espaço físico, junto ao Jardim da Graça, há quatro que organizamos a semana da visão, com várias atividades direcionadas para os mais pequenos, através dos Agrupamentos de Escolas de referência para a educação de crianças e jovens com deficiência visual, e para os mais velhos, em sintonia com instituições de apoio social.
Mas há cinco anos que começámos esta caminhada, com muitos altos e baixos, mas com a certeza de que podemos melhorar o apoio às pessoas com deficiência visual, sensibilizar toda a comunidade para esta temática e contribuir para uma sociedade mais justa e equitativa.
Quanto ao jantar, fomos recebidos pela Tasquinha da Freiria, que nos serviu muito bem, com muita simpatia a boa disposição. A comida estava muito boa e o convívio foi muito salutar. 
FMM