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sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Estigma (Parte I)



Quando ouvimos a palavra ‘estigma’ algo de negativo assalta-nos a mente, é uma palavra que acompanha a pessoa com deficiência, seja qual for.
Podemos ligá-la com outras: por exemplo, ‘identidade social’.
Quem sou eu? Onde me insiro? Qual o meu papel na sociedade? Como é que os outros me vêem? Como é que eu me vejo?
Temos que parar, as perguntas jorram e há que estancá-las.
Comecemos pelo conceito, os Gregos criaram este termo para se referirem a sinais corporais que não eram mais que evidências de algo extraordinário ou algo negativo sobre o status social vigente.
Hoje em dia o conceito mantém-se, apesar de não se dar ênfase à marca corporal, mas sim ao ‘problema’ que a pessoa tem.
A sociedade, tão marcada pelo individualismo, tende a categorizar os indivíduos, estabelecendo padrões comportamentais e atributos tidos como naturais dos membros dessa categoria. Trata-se da identidade social.
Erving Goffman (1982) fala-nos de dois tipos de identidade: a identidade social real e a identidade social virtual. A identidade social virtual é aquilo que esperamos de um determinado indivíduo dentro de um dado contexto; a identidade social real é aquilo que o mesmo indivíduo prova possuir. Quando há diferença entre as duas aparece o estigma, que traz conceitos de defeito, fraqueza e desvantagem.
O indivíduo é, assim, colocado numa nova categoria.
Existem três tipos de Estigma:
. deformidades físicas;
. culpas de carácter individual;
. tribais de raça, nação e religião.
No primeiro tipo, o estigma é devido a aparência física, com alterações daquilo que é considerado ‘normal’.
No segundo, o estigma é devido a questões de crença pessoal, de diversa ordem.
No terceiro, o estigma está assente na raça, nação e religião de um indivíduo. Espera-se um determinado comportamento conforme as situações acima citadas.
No que diz respeito à deficiência o estigma está centrado nas imperfeições, na diferença. No entanto, por vezes, e por razões históricas, atribui-se à deficiência aspetos sobrenaturais, como no caso das pessoas cegas. Observemos o caso apresentado por Goffman (1982):
 “Alguns podem hesitar em tocar ou guiar o cego, enquanto que outros generalizam a deficiência de visão sob a forma de uma gestalt de incapacidade, de tal modo que o indivíduo grita com o cego como se ele fosse surdo ou tenta erguê-lo como se ele fosse aleijado. Aqueles que estão diante de um cego podem ter uma gama enorme de crenças ligadas ao estereótipo. Por exemplo, podem pensar que estão sujeitos a um tipo único de avaliação, supondo ou o indivíduo cego recorre a canais específicos de informação não disponíveis para os outros.” (in Estigma: Notas sobre a manipulação da Identidade Deteriorada, 1982, Brasil, Zahar Editores, p.8)
Concluimos, então, que um indivíduo que não preencha tudo o que dele se espera, que fuja da ‘norma’ socialmente estabelecida, é um indivíduo estigmatizado.
Uma das características mais notórias no indivíduo estigmatizado é a necessidade de ser aceite. Essa necessidade leva-o a tentar corrigir essa ‘falha’. Goffman (1982) fala-nos em “Vitimização”.
O indivíduo estigmatizado vai tentar ultrapassar obstáculos que eram considerados inultrapassáveis para pessoas com a sua problemática. Por outro lado poderá utilizar o estigma como desculpa para eventuais fracassos.
É possível verificar que há muitas formas de se lidar com o estigma. Há outros indivíduos que vêem no seu sofrimento como que uma bênção secreta, na qual a sua experiência poderá servir como ajuda e ensinamento a outras pessoas.
Goffman escreve:
 "Isso levaria imediatamente a se pensar que há muitos acontecimentos que podem diminuir a satisfação de viver de maneira muito mais efetiva do que a cegueira. Esse pensamento é inteiramente saudável. Desse ponto de vista, podemos perceber, por exemplo, que um defeito como a incapacidade de aceitar amor humano, que pode diminuir o prazer de viver até quase esgotá-lo, é muito mais trágico do que a cegueira. Mas é pouco comum que o homem com tal doença chegue a aperceber-se dela e, portanto, a ter pena de si mesmo." (in Estigma: Notas sobre a manipulação da Identidade Deteriorada, 1982, Brasil, Zahar Editores, p. 13)
Este episódio lembra-me algo que um ex-aluno cego me disse, referindo-se a questões de relacionamentos, de amizade e amorosos. Ele disse-me que, ao contrário de quase todos os seus amigos, ele não ligava ao aspeto físico das pessoas e que dava realmente importância aquilo que as pessoas eram, na sua essência, no seu interior e não na sua aparência exterior.
Este é um exemplo em como uma aparente limitação, vista aos olhos daquilo que a sociedade tem como padrão, se torna uma vantagem.
FMM


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