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domingo, 25 de setembro de 2016

Estigma (Parte II)


Um dos perigos que o estigma pode trazer é a falta de interação social. O indivíduo estigmatizado tende a autoisolar-se e poder-se-á tornar uma pessoa desconfiada, deprimida, hostil, ansiosa e confusa.
Quando a interação se dá, porém, é quando as causas e os efeitos do estigma estão presentes. Neste caso o indivíduo estigmatizado poderá ter a sensação de não saber aquilo que os outros realmente pensam dele.
No caso da pessoa cega há muitos exemplos desta situação. O estigma que as pessoas muitas vezes têm para com o indivíduo com cegueira leva-os a terem reações e atos que só uma pessoa com uma grande aceitação e autoestima poderá suportar. Já alguns alunos meus se referiram ao facto de um grande número de pessoas se dirigirem a eles falando muito alto, como se eles tivessem problemas auditivos; ou mesmo mostrarem espanto por eles falarem.
Para os indivíduos ‘normais’ o que seria um ato perfeitamente expectável de outra pessoa, torna-se um feito extraordinário se for realizado por uma pessoa portadora de deficiência.
Uma das formas que os indivíduos estigmatizados encontraram para ultrapassar alguns dos constrangimentos já referidos é na procura de grupos de ajuda mútua. Estes grupos consistem em pequenos grupos sociais, normalmente dirigidos por um representante com o mesmo estigma. Para além dos encontros, estes grupos promovem também palestras que contam com oradores, considerados bem adaptados e socialmente aceites. Estes representam a sua categoria. Esta categorização é o grupo em si.
Depois de nos referirmos à forma como o estigmatizado interage com o ‘normal’, Erving Goffman lança o conceito de ‘informados’. Os ‘informados’ prestam apoio aos estigmatizados, uma vez que estão bem cientes da sua problemática. O estigmatizado pode agir sem defesas perante os ‘informados’, sem se envergonharem e sem autocontrolo. Os médicos, enfermeiros, terapeutas e professores são exemplos de pessoas ‘informadas’. Também os que se relacionam com o estigmatizado através da estrutura social (exemplo da mulher de uma pessoa cega) são considerados ‘informados’.
Segundo Goffman (1982) existem quatro modelos de socialização:
. estigma congénito – refere-se a pessoas socializadas dentro da sua situação de desvantagem, mesmo quando estão aprendendo e incorporando os padrões frente aos quais fracassam.
. capacidade de uma família se constituir numa cápsula protetora para o seu jovem membro. O jovem sente-se protegido, há controle de informação e o estigma aparece normalmente aquando da entrada no ensino público.
No caso de um cego congénito, este só saberá que não encaixa nos padrões ditos ‘normais’ numa fase posterior da sua vida.
"Creio que a primeira vez que realmente me dei conta de minha situação e a primeira dor profunda que ela me causou foi num dia, casualmente, quando estava na praia com o meu grupo de amigos do início da adolescência. Eu estava deitada na areia e acho que os rapazes e moças pensaram que eu estivesse dormindo. Um deles disse, então: 'Gosto muito de Domenica, mas nunca sairia com uma garota cega.' Não conheço nenhum preconceito que rejeite uma pessoa de maneira tão absoluta”. (in Estigma: Notas sobre a manipulação da Identidade Deteriorada, Goffman,1982, Brasil, Zahar Editores, p. 31)
. os indivíduos tornam-se estigmatizados numa fase avançada da vida. Neste caso estes têm dificuldade em se identificarem e tendem a autocensurarem-se.
Aquando da minha experiência como monitor de uma colónia de férias para alunos com deficiência visual da Direção Regional de Educação de Lisboa e utentes do Centro de Reabilitação Nossa Senhora dos Anjos, pude conhecer adultos com cegueira recém-adquirida que afirmaram que passaram cerca de um ano em ‘luto’, onde parecia que a vida deles tinha acabado. Passado esse ano iniciaram um processo de reabilitação e ‘(re)aprenderam’ a viver.  A partir do momento em que conseguiram aceitar a sua nova ‘categorização’, a sua nova identidade, puderam iniciar um percurso de reabilitação de inclusão na sociedade de forma bem sucedida.
. indivíduos que inicialmente são socializados numa comunidade diferente, dentro ou fora das fronteiras geográficas da sociedade normal, e que devem aprender uma segunda maneira de ser, ou melhor, aquela que as pessoas à sua volta consideram real e válida.
Para o estigmatizado há dois tipos de relacionamento. Se encontra novos relacionamentos, estes vão vê-lo com os ‘defeitos’ que tem, em termos do que é expectável. Nos relacionamentos antigos, há uma ligação à conceção anterior daquilo que foi, e os indivíduos poderão não conseguir tratá-lo nem de uma forma neutra, formal, nem com uma aceitação total.
Tendo como assente que é muito importante a interação social entre estigmatizados e ‘normais’, a interação estigmatizado-estigmatizado também é muito importante, desde que não seja motivo de segregação.
O caminho certo está na inclusão das pessoas portadoras de deficiência visual na sociedade, admitindo contactos frequentes com pessoas com a mesma situação, mas não de forma exclusiva.

Não somos todos potenciais estigmatizados? Não damos constantes informações sociais aos que nos rodeiam? 
FMM

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