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segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Primeira sessão de orientação e mobilidade

Deve haver poucas coisas que dêem tanta satisfação a um técnico de orientação e mobilidade como a primeira sessão com uma pessoa com cegueira recém adquirida.
Primeiro instala-se a dúvida, o receio. Há algo com a bengala que limita as pessoas. Talvez, no fundo, a bengala simbolize a cegueira. Ao pegar na bengala a pessoa está a assumir perante a sociedade que é cega. Esse processo de aceitação é muito difícil e requer algum tempo. Há que passar o período de luto para depois se passar à reabilitação. Todo o estigma existente em relação à pessoa cega leva-a a retrair-se. Muitos já disseram que aprender a utilizar a bengala, sim, mas não na rua, só no gabinete. Eu compreendo mas returco que a utilização correta da bengala dá uma liberdade e uma dignidade difícil de conseguir sem essa utilização. A bengala branca permite ao cego deslocar-se em segurança, autonomamente e com a dignidade que merece.
Voltando ao tema central deste post, a primeira sessão de aprendizagem da bengala branca, sim, porque não basta entregar uma bengala e dizer à pessoa para sair por aí a deslocar-se sem primeiro perceber como se utiliza e com que propósito.
Começa-se por explicar como se monta e desmonta a bengala. A seguir explica-se como se pega. Desde o início é importante assimilar a técnica para que a utilização seja o mais eficaz e descontraída possível. A bengla 'diz-nos' muitas coisas e uma utilização correta facilita essa comunicação.
No outro dia, iniciei esta aprendizagem com uma nova utente do GADV. A sua falta de visão impede uma deslocação, dita normal, pois cada passo é medido e a insegurança toma conta da pessoa, abrindo os braços de forma a tentar proteger-se de eventuais obstáculos. Está no grau zero da mobilidade. Não tem confiança para se deslocar pelo que a locomoção é lenta, desarticulada e confusa. Após cerca de uma hora de utilização da bengala branca, em contexto controlado e seguro (o objetivo era desenvolver a pega e a técnica) a utente começou a ficar mais à vontade, já caminhava a direito, com passos seguros, de cabeça erguida e com a dignidade de que há pouco escrevia. Foi muito gratificante observar estes progressos e anseio já pelas futuras sessões para confirmá-los e aumentar o nível de exigência. Brevemente conto escrever sobre a passagem das sessões do interior para o exterior. Os desafios que se apresentam são muito exigentes e a reacção das pessoas perante os mesmos são reveladoras do seu carácter e da sua vontade de ultrapassarem os obstáculos. Não é fácil a um cego deslocar-se nas cidades portuguesas. Apesar do excelente trabalho realizado em Torres Vedras (esperamos ansiosamente pelas passadeiras acessíveis prometidas no orçamento participativo), ainda há muito trabalho a fazer, não só pela autarquia, mas também pelos cidadãos, que deviam ser mais atentos e evitar situações perigosas para quem não vê.
Para terminar partilho as palavras da utente no final da primeira sessão de orientação e mobilidade, quando já conseguia caminhar com alguma confiança: "Isto é muito bom. Parece até que eu vejo."
FMM

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